Cinco meses e meio separam a entrada em vigor da Reforma Trabalhista e o Dia do Trabalho, festejado em 1º de maio, terça-feira. No entanto, se a nova lei (de nº 13.467/17) alterou as relações de trabalho no país, muitas empresas e empregados não sabem ao certo que direitos e deveres lhes cabem neste momento. Porque o texto foi aprovado a toque de caixa, ainda em julho de 2017, com mudanças significativas em relação às regras anteriores, com a promessa do presidente Michel Temer de que o que contivesse dúvidas ou ameaçasse direitos consagrados seria objeto de uma medida provisória – que veio em 14 de novembro modificando 17 artigos da norma legal. Sem ter sido votada pelo Congresso Nacional, porém, a MP 808/17 caducou, e as correções e ajustes que trazia ficaram sem efeito.

Para o empresariado, a reforma era necessária e urgente porque os marcos anteriores (CLT e legislações complementares) estavam defasados. O regime de trabalho intermitente, por exemplo, foi celebrado com efusão porque permite a contratação por período determinado e a remuneração por horas trabalhadas. Contudo, esta e outras questões (mais ou menos controversas) que eram regulamentadas pela MP foram para o limbo. “Sem a votação, é como se houvesse uma revogação tácita [da medida provisória] pelo Legislativo”, diz a advogada do trabalho Manoella Keunecke. Na quinta-feira (26), o governo acenou com a possibilidade de editar um decreto legislativo para alterar pontos polêmicos da reforma original.

Há mais itens da lei que geram questionamentos e insegurança jurídica porque, entre outros motivos, podem ser inconstitucionais. A MP estabelecia o afastamento das mulheres grávidas de qualquer atividade insalubre enquanto durasse a gestação, mas esse direito igualmente evaporou sem a votação. Também volta a valer a jornada de 12 horas de trabalho seguida por 36 horas de descanso, que deve ser negociada diretamente entre empregador e empregado, por acordo individual escrito. A jornada – adotada com frequência nas áreas de saúde e vigilância – é considerada extenuante, mas é bem vista por muitos profissionais porque facilita a busca de um segundo vínculo que aumente a renda pessoal.

Na contramão da reforma, com ou sem a MP, as entidades que defendem os trabalhadores enxergam com desconfiança tanto o “acordão” do governo com o Congresso em 2017 quanto as motivações que levaram a lei a ser aprovada com a pressa que todos testemunharam. O economista Maurício Mulinari, do Dieese/SC, diz que a informalidade está aumentando e que os empregos prometidos pela reforma não foram criados. “Antes da nova lei, 56% do mercado de trabalho era formal, e agora a formalidade está em 52%”, afirma ele. Sem o emprego que tinham, muitos trabalhadores se tornaram autônomos, e quem ainda tem carteira assinada não conta com a possibilidade de repor as perdas salariais. “Estamos entrando na fase mais aguda das negociações coletivas, e a previsão é de muitas greves neste segundo trimestre do ano”.

Insegurança preocupa empregadores

Em vigência desde 11 de novembro do ano passado, a nova lei trabalhista foi a única reforma que o governo Temer conseguiu aprovar, mas a queda de braço com o Congresso impediu que a medida provisória 808/17, que sanava algumas de suas exorbitâncias, fosse apreciada no Legislativo. Os setores de comércio e serviços comemoraram a queda da MP, porque restabelece, por exemplo, a possibilidade de contratação temporária de profissionais de acordo com a demanda. No entanto, poucos arriscam prever o que vai acontecer no curto prazo. “A questão política nos atrapalha, por gerar insegurança e jogar para o Judiciário a responsabilidade de normatizar as pendências”, destaca o presidente do Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Florianópolis, Estanislau Bresolin.

O segmento que ele comanda utiliza muito o trabalho intermitente, porque a necessidade de pessoal depende da época do ano, de eventos e festas que requerem maior número de garçons, por exemplo. “Esse tipo de contrato era uma antiga e forte reivindicação nossa”, ressalta Bresolin. Sem exigir o vínculo da carteira assinada, a intermitência é vantajosa para o empregador, seja aquele que contrata um funcionário para o fim de semana, seja o que chama 20 deles para o bar ou restaurante na alta temporada. Sem saber o que vai ocorrer, os empresários do setor esperam por regras mais claras. No caso da gorjeta, também comum nesses estabelecimentos, ela continua não sendo obrigatória, mas a MP estabelecia normas que agora já não valem mais.

Ações represadas à espera de regras definitivas

Diante das dúvidas que persistem, o escritório onde a advogada Manoella Keunecke atua tem orientado os clientes a esperarem por regras definitivas para itens como a intermitência e o trabalho autônomo. Uma dúvida que permanece é se as mudanças previstas valem só para os contratos assinados após a aprovação da lei ou contemplam também os anteriores. É por esta e outras razões que há muitas ações represadas e que não chegaram ao Judiciário. O TST (Tribunal Superior do Trabalho) emite súmulas relativas ao direito trabalhista, fixando precedentes que valem para todos os outros processos, mas isso leva muito tempo para ser resolvido. “Normalmente, entre dois e cinco anos é que se firma a jurisprudência”, diz Manoella, que é mestranda na USP (Universidade de São Paulo) e coordenadora do Núcleo Trabalhista da Menezes Niebuhr Advogados Associados.

Entre os pontos da reforma que pediam melhor definição figuram os que tratavam da possibilidade do trabalho em tempo parcial, criação e regulamentação de trabalho à distância, fracionamento de férias, limitação dos danos extrapatrimoniais, trabalho de gestantes e lactantes em ambiente insalubre, contratação de autônomos, novas regras de arbitragem, trabalho intermitente e criação e rompimento de contratos de trabalho por acordo mútuo.

Com a queda da medida provisória, ocorre o que o direito chama de “efeito repristinatório”, ou seja, a volta da vigência da legislação anterior. Na advocacia e no Judiciário, também há princípios consagrados a serem levados em conta, como o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Um dos pontos polêmicos é o da contribuição sindical, que é objeto de mais de 120 ações com decisão judicial favorável à cobrança no país. A reforma suspendeu o pagamento do valor equivalente a um dia de trabalho para o sindicato ao qual o empregado está vinculado, mas muitos casos vêm parando nos tribunais. “Só uma lei complementar poderá dizer se a contribuição é facultativa ou obrigatória”, diz Manoella Keunecke.

Entidade defende revogação da lei

Num cenário em que o emprego anda curto e não dá sinais de reagir, o Dieese/SC vê o aumento da lucratividade das empresas não se reverter em crescimento da economia. Pesquisas mostram que em 2017 mais de um milhão de trabalhadores assumiram a condição de autônomos, como motoristas de Uber, vendedores de marmitas e cortadores de grama. A queda dos preços, salutar à primeira análise, pode trazer embutido o risco de inflação próxima a zero com estagnação econômica. “Isso pode aumentar a quebradeira das pequenas e médias empresas, que dependem do consumo estável e que podem ser absorvidas pelos monopólios”, diz o economista Maurício Mulinari.

Neste quadro, a nova lei tende a aumentar a informalidade e “precarizar setores que antes eram protegidos pelas leis trabalhistas”. O ataque ao mercado formal deve levar, segundo o técnico, a uma reorganização dos trabalhadores e a greves nas principais categorias, como os bancários, petroleiros, metalúrgicos e operários da construção civil. “Nossa posição é pela revogação da reforma trabalhista”, diz Mulinari. “Como isso, também estaremos combatendo o caos social, a violência, as crises dos hospitais e da educação”.

Antes e depois da MP que caducou

Trabalho intermitente: Não é mais preciso respeitar o prazo de 18 meses de intervalo para o empregador recontratar como intermitente um trabalhador que antes atuava sob um contrato de tempo indeterminado.

Autônomos: Pela MP, um trabalhador autônomo não poderia ser contratado com exclusividade. Agora não há mais impedimento.

Dano moral: Sem a MP, a base de cálculo se baseava apenas na remuneração do trabalhador, e não no teto do INSS, que é de R$ 5.645.

Gorjetas: A MP definia que a gorjeta é do trabalhador. Agora passará a ser dividida conforme acordo ou convenção coletiva.

Gestantes e lactantes: Sem a MP, caíram as restrições para trabalho de mulheres em gestação ou lactação em locais insalubres.

Multa: A cobrança de multa de 50% do valor da remuneração a ser paga pelo trabalhador em caso de descumprimento do contrato intermitente volta a valer.

Turnos 12×36: Jornadas de 12 horas de serviço por 36 horas de descanso passam a valer por acordo individual. A MP exigia acordo coletivo para esse tipo de negociação.

Fonte: PAULO CLÓVIS SCHMITZ, FLORIANÓPOLIS

Publicado na Rádio Peão Brasil