Como em muitos outros temas, a reforma trabalhista é um assunto que coloca os candidatos que disputarão o segundo turno das eleições presidenciais em polos diametralmente opostos: Fernando Haddad (PT) defende a revogação das novas regras, enquanto Jair Bolsonaro (PSL) indica em seu plano de governo propostas que, na prática, representariam uma ampliação de institutos inseridos na legislação trabalhista pela Lei 13.467/2017.

Para tirar as ideias do papel, entretanto, não basta a boa vontade de um ou de outro. Ambos precisam de maioria no Congresso Nacional. “Para combater um ato do Legislativo, precisaria de um outro ato do Legislativo, não seria possível uma ‘canetada’ do Executivo”, exemplifica Elton Duarte Batalha, professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Direito pela USP.

Novo Congresso

A renovação das duas Casas Legislativas nas urnas exigirá do presidente eleito no dia 28 de outubro – seja quem for – uma afinada articulação para aprovação de suas propostas para a área trabalhista.

Em tese, em termos de votos, o desafio de aprovar mudanças na legislação trabalhista é dos mais simples, já que, como as mudanças foram feitas por lei ordinária, uma nova lei ordinária – oriunda de uma Medida Provisória ou de um Projeto de Lei – pode ser aprovada com apoio de maioria simples tanto na Câmara quanto no Senado. Os passos para uma vitória encontram obstáculos na construção de um entendimento político, de mérito sobre as novas regras ou sobre o resgate das antigas.

Fernando Haddad fala em revogação. Para tanto, o petista poderia apresentar um PL ou uma MP com redação sucinta, de apenas dois parágrafos: o primeiro para revogar expressamente a Lei 13467/17(da reforma trabalhista) e o segundo com a data de entrada em vigor da nova lei.

Técnicos da Câmara ouvidos pelo JOTA afirmam que uma eventual MP revogatória poderia ser editada já no primeiro dia de governo com efeitos imediatos.

Favorito nas pesquisas, Jair Bolsonaro ainda não disse quais pontos seriam ampliados. Formalmente, ele também pode usar do expediente da MP ou do PL, mas seu texto teria que ser bem detalhado e, a exemplo da reforma trabalhista de Michel Temer, teria que explicitar um prazo para que as novas mudanças fossem adotadas no Brasil.

Deputados e senadores dizem-se fartos de “legislarem apenas via MP”, mas o fato é que as medidas são um instrumento que força uma decisão mais célere dos legisladores, dado o prazo de vigência de, no máximo, 120 dias. O novo presidente terá que escolher se inicia seu mandato com uma postura conciliatória com os legisladores ao enviar sua proposta em forma de projeto de lei – mesmo com urgência constitucional os PLs são sempre vistos com mais simpatia – ou se parte de início para o enfrentamento com o Legislativo ao impor sua vontade por meio de uma MP.

Seja qual for a decisão, seja qual for o vitorioso, a construção da maioria será um trabalho que exigirá do presidente eleito uma conduta de negociação séria. Com apoio declarado apenas do PTB e do seu partido PSL, Jair Bolsonaro conta com a base mínima de 62 deputados e sete senadores.

É uma visão equivocada, no entanto, concluir que essa será a base do capitão reformado. Além da esperada adesão de partidos que decidiram pela neutralidade no segundo turno (o Centro hoje está dividido entre os dois nomes), Bolsonaro já conta com o apoio expresso dos ruralistas eleitos – que somam 92 nomes de diversos partidos.

Se considerados os deputados das bancadas “Bala e Bíblia” (que simpatizam com o candidato em sua maioria) a base de Bolsonaro pode ser esmagadora, já que os reeleitos das duas frentes suprapartidárias foram 104 e 170 deputados, respectivamente. Essa não é uma soma direta porque parte expressiva das três frentes é formada por parlamentares que defendem as três bandeiras. Ainda assim, se “fechar” com esses grupos, sua maioria pode chegar nos 300 votos.

Fernando Haddad, por outro lado, “larga” com 143 votos na Câmara (PT-PCdoB-PROS-PSOL-PSB-PDT) e 15 no Senado. A construção de maioria superior a isso dependerá da capacidade de articulação do petista em atrair os partidos de Centro, mas essa é uma expectativa baixa sobretudo porque foram essas agremiações partidárias que aprovaram a reforma de Temer.

Estatuto do trabalho

O tema da legislação trabalhista tem uma participação tímida no plano de governo de Jair Bolsonaro, que não respondeu às perguntas enviadas pelo JOTA à sua assessoria de imprensa. São apenas três parágrafos sobre o assunto, nos quais são apresentados a proposta da criação de uma nova carteira de trabalho, confeccionada com as cores verde e amarelo.

Já Fernando Haddad trata do assunto de forma mais robusta, propondo a “reversão do legado golpista” de Michel Temer (MDB), que seria substituído pelo Estatuto do Trabalho. Não há no documento, porém, maiores detalhes sobre o que seria o estatuto.

“[Haddad] não diz que tipo de passo adiante daria em relação à legislação trabalhista, que sempre foi vista como problemática”, afirma Batalha.

Por meio de sua assessoria, Haddad informou que o documento será “produzido de forma negociada entre empregados e empregadores”. “O governo Haddad irá promover a reformulação e ampliação do sistema de formação dos trabalhadores, a valorização da negociação coletiva, o fortalecimento da solução ágil de conflitos e, para tanto, a valorização dos sindicatos de trabalhadores e empresários”, afirmou.

Para botar as mudanças em prática, o plano de governo descreve que a revogação de decisões tomadas pelo Poder Legislativo será encaminhada ao Congresso, porém não descarta a possibilidade de realização de referendos para tanto.

A resposta do candidato, por meio da assessoria de imprensa, porém, adota um tom mais conciliador: “O acúmulo de discussão pública com amplos setores da sociedade se constituirá como importante elemento a ser levado em conta no diálogo com o Congresso Nacional a respeito de uma renovação das regras protetivas aos trabalhadores”.

Por fim, Haddad cita como pontos negativos da reforma a terceirização irrestrita, o trabalho intermitente, o estímulo à contratação de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas, a autorização para que grávidas e lactantes trabalhem em locais insalubres e a possibilidade de o negociado prevalecer sobre a legislação trabalhista. “A reforma trabalhista aprovada pelo governo Temer desequilibrou as relações entre capital e trabalho, em favor dos empresários”, resume o candidato.

A proposta de revogar a reforma é alvo de críticas por alguns. O advogado Paulo Sérgio João, professor de Direito do Trabalho da FGV e da PUC-SP, diz que a mudança geraria insegurança jurídica, além de não estar claro qual seria o próximo passo após a anulação.

“Vai revogar para colocar o que no lugar? O que já existia, que já não era bom e já era criticado?”, questiona

Carteira verde e amarela

Em relação à carteira de trabalho verde e amarela, o candidato do PSL detalha a proposta em seu plano de governo: ela seria facultativa a novos trabalhadores. Assim, o jovem que ingressasse no mercado de trabalho poderia escolher entre a carteira azul, com as atuais regras trabalhistas, ou a verde e amarela, que possibilitaria que contratos individuais prevalecessem sobre o legislado, desde que mantidos “todos os direitos constitucionais”.

Não há maiores detalhes sobre a proposta, porém o tema foi tratado por Paulo Guedes, que seria ministro da Fazenda em um governo Bolsonaro, em uma entrevista concedida à GloboNews em agosto. Na ocasião Guedes afirmou que “quem tiver com 16 ou 17 anos pode escolher [entre] a porta da esquerda, [onde] você tem sindicato, legislação trabalhista para te proteger, encargos, uma porção de coisas, ou a porta da direita, com contas individuais, e que não mistura assistência com Previdência […], não tem encargos trabalhistas e a legislação é como em qualquer lugar do mundo: se você for perturbado no trabalho vai à Justiça, e a Justiça resolve o seu problema”.

A proposta arranca críticas de especialistas. João considera que a regra é inconstitucional, por criar duas categorias de trabalhadores. “A Constituição não traz distinção entre os trabalhadores. Todos têm os mesmos direitos”, diz.

Já o presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, Roberto Parahyba, considera que um modelo no qual os acordos individuais têm peso maior em relação ao legislado tem grandes chances de ser desfavorável aos trabalhadores. “É uma relação assimétrica, onde uma parte está subordinada à outra”, afirma.

Batalha também questiona a medida, salientando que a reforma trabalhista, mesmo privilegiando o acordado sobre o legislado, dá espaço para a negociação coletiva, realizada entre patrões e sindicatos que representam os trabalhadores.

“Negociação coletiva me parece interessante, porque você conta com o sindicato. O problema é que na negociação individual você está lidando com partes que não têm o mesmo poder, mesmo respeitados os limites constitucionais”, diz.

A situação pouco benéfica aos trabalhadores, entretanto, pode não incomodar Bolsonaro, que tende a tocar no assunto da legislação trabalhista pelo ponto de vista das empresas.

Em julho, por exemplo, durante uma entrevista na RedeTV!, o candidato afirmou que o empresariado lhe tem dito “que o trabalhador vai ter que um dia decidir [entre ter] menos direitos e empregos ou todos os direitos e desemprego”.

Foi também em uma palestra para empresários que o vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão (PRTB), afirmou no final de setembro que o 13º salário e o abono de férias são “jabuticabas brasileiras”. Após o episódio Bolsonaro repreendeu o vice, dizendo em redes sociais que o 13º está previsto constitucionalmente, e sua supressão seria “uma ofensa a quem trabalha”. Mourão, contudo, voltou a criticar o benefício na última semana.

Por fim, o plano de governo do candidato do PSL também se posiciona de forma contrária ao retorno do imposto sindical e propõe o fim da unicidade sindical, permitindo uma “saudável competição que, em última instância, beneficia o trabalhador”. Segundo o texto, com a alteração os sindicatos precisarão convencer o trabalhador a voluntariamente se filiar, “através de bons serviços prestados à categoria”.

Fonte: jota.info