No organograma do Ministério da Saúde, o Mais Médicos está sob responsabilidade da secretária de Gestão no Trabalho e Educação em Saúde, Mayra Pinheiro. Segundo ela, a ideia é que o último ciclo de vagas abertas se encerre nesta semana. Não serão feitos novos editais. Os médicos em atividade hoje no programa poderão continuar em seus postos de trabalho até o final de seus contratos, que tem duração de três anos.

Notabilizado pela participação de médicos cubanos – que chegaram ao Brasil por meio de uma parceria com o Governo da ilha intermediada pela Organização Pan Americana da Saúde (Opas) –, o Mais Médicos foi criado em 2013 pelo governo Dilma Rousseff (PT). O objetivo era levar médicos para áreas mais distantes e vulneráveis do país, que sempre tiveram dificuldades de reter profissionais.

Mas o programa foi alvo de preconceito pelo modelo de parceria que trouxe os cubanos. A remuneração era compartilhada entre os profissionais e Havana – o que ajudava a financiar o sistema público e universal de saúde em Cuba, referência internacional de qualidade. Em dezembro, depois de Bolsonaro lançar chantagens e anunciar a exigência de validação dos diplomas, Cuba reagiu à altura e encerrou a parceria.

Não deu outra: a retirada dos profissionais provocou uma crise na estrutura de atendimento, especialmente nos pequenos municípios. Até o momento, 1.462 vagas ainda permanecem ociosas. Com o interesse de médicos brasileiros formados no exterior que se inscreveram no edital, a ideia do governo Bolsonaro é substituir o Mais Médicos por um plano de carreira que torne as regiões de difícil provimento mais atrativas aos profissionais. Este era o pedido feito pelas entidades médicas.

Mayra Pinheiro confirmou a médicos intercambistas, em mensagens vistas pela reportagem, a informação de que não haverá novos editais e que o programa será encerrado. Se os médicos brasileiros ocuparem todas as vagas disponíveis, profissionais estrangeiros inscritos – que deveriam escolher os municípios nos dias 18 e 19 deste mês – serão excluídos do programa. 

Como o governo não se preparou para a transição, o Ministério da Saúde mal sabe o que fazer com os 2 mil médicos cubanos que decidiram permanecer no Brasil após Bolsonaro acenar que eles teriam asilo e poderiam ser reincorporados ao programa. Com o encerramento do Mais Médicos, o governo estuda ajuda humanitária por meio do Ministério da Justiça para essas pessoas, mas será impossível contemplar a maioria desses cubanos.

Logo no início da gestão, Mayra Pinheiro chegou a criar grupos no Telegram e no Whatsapp e distribuir formulários para identificar os médicos de Cuba que decidiram ficar no Brasil e ver maneiras de reincorporá-los ao programa. Agora, questionada se não há mais chances de reincorporar os médicos cubanos, ela disse apenas que "Cuba cancelou o contrato, não o Brasil".

A situação é tão dramática que alguns profissionais cubanos que foram desligados do Mais Médicos passaram a trabalhar em serviços gerais, inclusive como vigias de postos de saúde, enquanto esperavam se concretizar os acenos do governo para reincorporá-los. Sobre o Revalida, só poderão realizar o exame os médicos cubanos que tenham visto de residência permanente.

O primeiro secretário do CFM (Conselho Federal de Medicina), Hermann Von Tniesehause, eleva a pressão: “Um Revalida apenas para a atenção básica está fora de cogitação, seja para médicos brasileiros formados no exterior ou para estrangeiros. Os médicos têm que cumprir as etapas obrigatórias do Revalida. Não existe isso de fazer um exame especial”, diz ele.

Por trás do fim do Mais Médicos, além do anticomunismo do governo, está a relação mais próxima com distintas entidades médicas, que já pediam o encerramento do programa. Desde o período de transição governamental, tanto o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, quanto Mayra Pinheiro têm se reunido com representantes destas entidades para discutir novas políticas e já anunciaram que os encontros devem ser frequentes nos próximos anos. O lobby corporativista das entidades, em especial do CFM, surtiu efeito.

“Há muito tempo o Conselho Federal de Medicina não tem uma relação de proximidade com o governo federal. A nova gestão abriu essa oportunidade para as entidades médicas”, afirma Von Tniesehause. O CFM defende a ideia de um novo programa voltado a fixar médicos nas cidades vulneráveis, mas admite que tudo é muito incipiente ainda. 

A sugestão do CFM é de que esse plano de Estado inclua apenas médicos com diplomas revalidados e que o profissional inicie em um local mais vulnerável e possa progredir em salário e cargo, migrando para municípios maiores ao longo da carreira. “O Ministério da Saúde ainda não deu uma palavra final sobre isso, mas há um aceno de que isso pode acontecer”, informou Von Tniesehause.

Com informações do El País